Carta do filósofo Gaspare Schopp (testemunho
da execução de Giordano Bruno) para seu amigo Rittershausen em 17 de fevereiro de
1600.
Foi provavelmente graças a essa carta que
Johannes Kepler (1571 - 1632), o grande astrônomo que descobriria a elipticidade
das órbitas planetárias, soube da morte de Bruno. Kepler conhecia parte da obra
bruniana quando o filósofo de Nola havia residido em Praga por volta de 1585.
(...) Eu mesmo seria
levado a crer pela voz popular que esse Bruno foi queimado por suspeita de
luteranismo, se não tivesse participado de uma reunião da Santa Inquisição,
enquanto era pronunciada a condenação contra ele, e tivesse, assim, sabido a
realidade dele professada. Aquele Bruno era nolano, do reino de Nápoles, da ordem
Dominicana; aos dezoito anos duvidava do dogma da transubstanciação (que,
certamten, repugna à razão, como te ensina o teu Crisótomo), além de negá-la
veementemente, e, logo em seguida, havia começado a pôr em dúvida a virgindade
da Beata Maria (a qual Crisóstomo considera sempre puta de que todos os querubins
e serafins); refugiou-se em Genebra, e aí ficou por um biênio, e depois, foi
expulso de lá porque não andava perfeitamente de acordo com o Calvinismo, do
qual, todavia, nenhuma confissão tenha conduzido [à acusação] de ateísmo,
transferiu-se para Lyon, de lá a Tolouse e depois a Paris; ali permaneceu como
professor extraordinário, uma vez que via os ordinários serem obrigados a
presenciar a santa missa. Depois, partiu para Londres, e publicou naquela cidade
um libelo sobre a Bestia trionfante, isto é, sobre o papa, que os vossos, a
título de honra quase chamam de asno. Depois, viajou até Wittemberg, e aí, se
não me engano, ensinou publicamente por um biênio. Transferiu-se posteriormente
a Praga, onde publicou um livro, De
immenso et infinito e também De
innumerabilis ( se recordo com suficiente exatidão os títulos; de fato,
esses livros os tive em minhas próprias mãos em Praga), e ainda De umbris et
ideais [sic], nos quais ensina coisas horrendas e, sobretudo,
absurdas, como, por exemplo, que existem infinitos mundos, que a alma passa de
corpo a corpo; além do mais, de que a alma pode transmigrar em um dos outros
mundos, que a alma pode habitar dois corpos, que a magia é coisa boa e lícita,
que o Espírito Santo não é nada mais, nada menos que a alma do mundo, e que
este princípio foi professado por Moisés, quando escreveu que aquele Espírito
brotou as águas; que o mundo existe desde a eternidade; que Moisés fez seus
milagres através da magia, na qual havia progredido além de todos os outros
egípcios; que ele inventou as leis e que as Sagradas Escrituras são fantasias;
que também os diabos se salvarão e que somente os hebreus tinham tido sua
origem de Adão e Eva, os outros, Deus havia criado um dia antes, que Cristo não
é Deus, mas um grande mago que enganou a todos, e que por esta razão foi
enforcado, e não crucificado; que os profetas e os apóstolos foram homens
comuns, magos e que muitos deles também formam enforcados.
Bruno foi introduzido na sala da Inquisição e
de joelhos escutou a sentença contra ele. Essa, na verdade, foi articulada da
seguinte forma: foi exposto a vida daquele, os estudos, os convencimentos e
todo o trabalho que a Inquisição havia feito para tentar convertê-lo e em adverti-lo fraternalmente, e
quanta obstinação e impiedade aquele havia sustentado: depois, foi reduzido ao
estado laico, ou como se diz, o excomungaram de tudo e o consignaram à
autoridade secular para a punição, pedindo que essa fosse a mais clemente
possível e que fosse realizada sem derramamento de sangue. Ficando isento de
todas as formalidades de rito, aquele não respondeu, senão quando ameaçado.
“Certamente pronunciais a sentença contra mim com maior temor que o que provo
eu ao sofrê-la”. Assim, foi custodiado por 8 dia, para experimentar até o
último, se quisesse se corrigir de seus erros, mas em vão. Hoje em
consequência, foi conduzido ao rogo, ou seja, para um amontoado de lenha;
próximo à morte, foi-lhe mostrada uma imagem do Salvador crucificado, a qual foi
rejeitada com vulto desdenhoso e, portanto, morreu miseravelmente queimado...
Referência bibliográfica.
NEVES, Marcos Cesar Danhoni. Do infinito, do mínimo e da inquisição em giordado bruno. Ilhéus-BA: UESC, 2004. 203p.
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